8.11.13

Tentei deixar-te

Tentei deixar-te. O Cohen tem uma canção chamada «I Tried to Leave You». É sobre uma «vida de casal», ou seja, não é sobre a nossa vida; mas não faz diferença. Eu tentei deixar-te, várias vezes, em pouco tempo. Não deixar-te a ti, talvez deixar uma ideia de ti. Mas como é que eu podia deixar «uma ideia de ti» se, justamente, tu não vives de acordo com «uma ideia de ti», se não mentes, não representas, não te conformas, se vives sempre em ti, e não segundo «uma ideia»? Poderia talvez deixar-te, ou tu a mim, se as coisas acontecessem de outra maneira, mas seríamos sempre eu e tu, não uma «ideia de ti» ou uma tua ideia de mim. Porque tu, com uma espantosa inocência inamovível, preferes o «ridículo» (que, acredita, não mata) ao que os outros pensam (dizias-me: «mas o que é que nos interessa 'toda a gente'?», e eu não ouvia esta frase há tantos anos e comovi-me, às escondidas).

O Cohen canta «I Tried to Leave You» muitas vezes nos encores, quando regressa ao palco depois da «última canção». Volta apesar de «ter tentado» (teatralmente) «deixar» o público. Mas isto não é um jogo, é uma canção de amor, de dificuldade na fidelidade, de fidelidade na dificuldade. Por isso, os sorrisos esvaem-se e a canção continua, mortalmente séria, até acabar com um convite ou uma despedida: «Goodnight, my darling, I hope you're satisfied, / the bed is kind of narrow, but my arms are open wide», verso seguido da puta da rima mais bonita de sempre: «And here's a man still working for your smile».